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O Inconsciente em Cena: Relações Professor-Aluno sob a Ótica das Posições Kleinianas"

 


O Inconsciente em Cena: Relações Professor-Aluno

sob a Ótica das Posições Kleinianas"

O ambiente escolar contemporâneo tem se transformado em um campo complexo de interações emocionais intensas, tensões silenciosas e manifestações de comportamentos que escapam às compreensões tradicionais da disciplina e da pedagogia. Professores, diariamente, se deparam com o desafio de ensinar conteúdos curriculares em meio a um mal-estar que ultrapassa as barreiras do pedagógico, alcançando as esferas emocionais e relacionais. A sala de aula, longe de ser apenas um espaço de transmissão de conhecimento, revela-se cada vez mais como um espaço de conflito psíquico e de revelação de aspectos inconscientes tanto dos alunos quanto dos educadores.

Diante dessa realidade, é necessário recorrer a olhares mais profundos e complexos para compreendermos o que está em jogo. A psicanálise, especialmente a contribuição de Melanie Klein, oferece ferramentas potentes para pensar os impasses das relações entre professores e alunos. As posições esquizo-paranóide e maníaco-depressiva, formuladas por Klein como estados primitivos do funcionamento mental, ajudam a interpretar os comportamentos aparentemente caóticos e disruptivos que surgem no cotidiano escolar.

Uma hipótese relevante é que muitos estudantes, especialmente diante das exigências cognitivas, afetivas e sociais do ambiente educacional, experimentam uma espécie de regressão psíquica a estágios mais arcaicos do desenvolvimento emocional. Essa regressão os posiciona, muitas vezes, na chamada posição esquizo-paranóide, caracterizada pela divisão radical do mundo em "objetos bons" e "objetos maus". O sujeito, nesse estado, ainda não é capaz de integrar as qualidades boas e ruins do objeto amado ou temido. Ele idealiza o que lhe traz prazer e projeta toda a angústia, medo ou frustração em figuras que passa a ver como ameaçadoras.

No contexto escolar, essa divisão se expressa na forma como os alunos percebem e reagem à autoridade do professor. Quando o educador estabelece limites, exige dedicação ou cobra resultados, pode ser imediatamente percebido como "objeto mau". Essa percepção gera uma reação de agressividade, que, segundo Klein, não deve ser compreendida apenas como desrespeito ou insubordinação, mas como uma manifestação da pulsão de morte, uma força psíquica fundamental e constitutiva do ser humano. A sala de aula torna-se, assim, um campo de projeções inconscientes, onde o professor pode ser alvo de fantasias persecutórias, desconfiança e rejeição.

Essa dinâmica é intensificada quando o ambiente escolar, por várias razões institucionais e sociais, não oferece aos alunos um espaço suficientemente continente para suas angústias. Em contextos familiares fragilizados, com relações afetivas marcadas por negligência, abandono ou violência, a escola passa a ser um dos poucos espaços institucionais de contato regular com o adulto. Nesse cenário, o professor é investido de um papel simbólico ainda mais significativo: ele é visto não apenas como educador, mas como figura de referência, alvo de transferências intensas, tanto positivas quanto negativas.

O comportamento disperso, a dificuldade de concentração, a irritabilidade e a aparente apatia de muitos jovens podem ser compreendidas como expressões dessa posição esquizo-paranóide, marcada por defesas primitivas e pelo medo de aniquilação psíquica. Por outro lado, em determinados momentos, observamos que esses mesmos alunos demonstram sensibilidades agudas, sentimento de culpa e um desejo sincero de reparação, característicos da transição para a posição depressiva.

Na posição depressiva, o sujeito começa a integrar o objeto, reconhecendo que ele é simultaneamente bom e mau. Surge então a possibilidade de elaborar a perda, aceitar a frustração e assumir responsabilidades pelas próprias ações. No contexto escolar, isso pode se expressar através de um sofrimento silencioso, uma busca por afeto, uma escuta mais atenta ou um pedido de ajuda disfarçado. O aluno que antes atacava, agora demonstra arrependimento; aquele que dispersava, tenta se concentrar. No entanto, esse processo é delicado e exige um ambiente que favoreça a elaboração simbólica dessas experiências.

Nesse sentido, é imprescindível que a escola compreenda a profundidade psíquica das relações estabelecidas em sala de aula. Não se trata de psicologizar a educação, mas de reconhecer que o processo de aprendizagem é indissociável da história emocional de cada sujeito. O professor, muitas vezes, ocupa um lugar de continência emocional, funcionando como uma figura que pode acolher, simbolizar e elaborar os afetos mobilizados no encontro com o saber.

Melanie Klein nos ensina que a capacidade de aprender e se desenvolver cognitivamente está profundamente vinculada à capacidade de elaborar as angústias primitivas. Quando um aluno consegue suportar a dor da frustração sem destruir o objeto que o frustra (o professor, o saber), ele está em condições de aprender. Nesse sentido, o papel do professor vai além da transmissão de conhecimento: ele é também um mediador emocional, um facilitador de processos internos, um agente de reparação simbólica. No entanto, é importante reconhecer que muitos professores não estão devidamente capacitados para exercer plenamente essa função ampliada. Diversos fatores contribuem para essa limitação, como a formação acadêmica ainda centrada em conteúdos técnicos, a ausência de apoio institucional para lidar com as questões emocionais dos alunos, a sobrecarga de trabalho e a falta de políticas públicas que valorizem a dimensão subjetiva do ensino. Assim, exige-se do professor algo para o qual ele muitas vezes não foi preparado, o que pode gerar angústia, frustração e sentimento de impotência diante das complexas demandas escolares.

Portanto, compreender as relações entre professores e alunos à luz das posições esquizo-paranóide e maníaco-depressiva é reconhecer a escola como espaço de atravessamentos emocionais profundos. Quando a instituição escolar se abre a essa escuta, torna-se também um lugar de transformação psíquica, de construção de subjetividades mais integradas e de experiências educacionais verdadeiramente significativas.

Referência bibliográfica

KLEIN, Melanie. Amor, culpa e reparação. Tradução de André Cardoso. Rio de Janeiro, Imago 1996. 504 p.

                                                                                                                     

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