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Negação: Uma Reflexão Psicanalítica sobre esse Mecanismo de Defesa
Negação: Uma Reflexão Psicanalítica sobre esse Mecanismo de Defesa
A
psicanálise, enquanto campo de estudo das profundezas do inconsciente humano,
trouxe diversas contribuições para compreendermos as dinâmicas internas que
regem os comportamentos, emoções e pensamentos. Entre essas contribuições,
destaca-se a elaboração dos mecanismos de defesa, ferramentas psíquicas
desenvolvidas pelo sujeito para lidar com os conflitos internos e externos que
emergem na relação com a realidade. Dentre esses mecanismos, Freud introduziu o
conceito de negação, uma estratégia peculiar e muitas vezes inconsciente
utilizada para afastar conteúdos psíquicos perturbadores da consciência.
A
negação pode ser entendida como a recusa do sujeito em reconhecer determinados
sentimentos, pensamentos ou desejos que, ao emergirem do inconsciente para a
consciência, provocam um desconforto intenso, por estarem em desacordo com o
ego ou os valores do indivíduo. Esses conteúdos, muitas vezes associados a
impulsos reprimidos ou a lembranças dolorosas, encontram na negação uma
barreira que impede sua plena integração na consciência (Fenichel & Gomes,
2005).
Freud
descreveu a negação como um processo em que, paradoxalmente, o conteúdo
reprimido é parcialmente reconhecido, mas ao mesmo tempo rejeitado. Por
exemplo, ao dizer “Eu sei que ele não é meu inimigo, mas sinto que ele quer me
prejudicar”, o indivíduo reconhece a possibilidade de estar sendo influenciado
por um pensamento ou sentimento interno (a desconfiança), mas, ao negar sua
legitimidade, evita o sofrimento que sua aceitação traria. A frase denota um
conflito entre a percepção consciente e o conteúdo reprimido que tenta emergir
(Roudinesco & Plon, 1998).
No
contexto psicanalítico, a negação é particularmente relevante porque indica que
um material inconsciente está se tornando acessível à consciência. No entanto,
o sujeito ainda não está disposto ou preparado para lidar com ele de maneira
plena. Essa dinâmica revela uma tensão entre a necessidade de proteção do ego e
o impulso da psique para integrar e elaborar conteúdos internos. A negação,
assim, pode ser vista como um sinal de que algo importante está em jogo no
cenário interno do sujeito.
No
dia a dia, a negação pode se manifestar de diversas formas, desde as mais sutis
até as mais evidentes. Pode aparecer em contextos simples, como alguém que nega
estar ansioso antes de uma apresentação, apesar dos sinais claros de
inquietação, ou em situações mais complexas, como no luto, quando uma pessoa
afirma que “não sente tristeza”, enquanto sua postura corporal e suas ações
indicam o contrário. Esse mecanismo pode também estar presente em contextos
clínicos, como em casos de dependência química, onde o indivíduo pode negar que
tem um problema, mesmo diante de evidências concretas.
A
negação está intimamente ligada à repressão, outro conceito central na teoria
freudiana. Enquanto a repressão refere-se ao processo de banimento de ideias,
desejos ou memórias para o inconsciente, a negação atua quando esses conteúdos
reprimidos tentam emergir para a consciência. É como se a negação fosse um
“filtro” que permite que o conteúdo reprimido seja percebido de maneira
diluída, sem que sua força impacte diretamente o sujeito ((Mullahy,1975).
Além
disso, a negação pode ser associada a outros mecanismos de defesa, como a
projeção, onde o sujeito atribui a outros os sentimentos que não consegue
reconhecer em si mesmo. Por exemplo, alguém que sente raiva pode negar esse
sentimento e projetá-lo em outra pessoa, dizendo que é ela quem está com raiva.
Esse entrelaçamento entre os mecanismos de defesa demonstra a complexidade do
funcionamento psíquico e a engenhosidade do inconsciente em proteger o sujeito
de sofrimentos que ele julga insuportáveis ((Roudinesco & Plon,
1998).
No
contexto terapêutico, a identificação da negação é um ponto crucial para o
trabalho psicanalítico. O terapeuta, ao reconhecer esse mecanismo no discurso
ou no comportamento do paciente, pode utilizá-lo como uma porta de entrada para
explorar conteúdos inconscientes que precisam ser elaborados. É importante, no
entanto, que esse processo seja conduzido com cuidado, respeitando o ritmo do
paciente, uma vez que confrontar a negação de maneira abrupta pode gerar
resistência e dificultar o progresso terapêutico.
Freud,
ao descrever a negação, destacou que ela não deve ser vista apenas como um
obstáculo, mas como uma oportunidade para acessar aspectos profundos da psique.
É por meio do trabalho analítico que o sujeito pode, gradualmente, transformar
a negação em reconhecimento, permitindo que conteúdos antes temidos sejam
assimilados e ressignificados.
A
negação, enquanto mecanismo de defesa, revela a engenhosidade e a fragilidade
do psiquismo humano. Ela é um testemunho da luta constante entre as forças
inconscientes e a necessidade de manter uma identidade estável diante das
demandas internas e externas. Embora possa trazer alívio imediato ao evitar o
sofrimento, a negação, quando prolongada ou excessiva, pode dificultar o
crescimento pessoal e a resolução de conflitos.
Compreender
a negação é, portanto, um convite para mergulhar nas camadas mais profundas do
ser, reconhecendo que aquilo que negamos frequentemente contém pistas valiosas
sobre nossas dores, desejos e potencialidades. No espaço terapêutico, ela se
transforma em um aliado na jornada de autoconhecimento e integração, permitindo
que o sujeito, ao final, possa dizer “sim” à totalidade de sua experiência
humana.
Referências
Fenichel,
O., & Gomes, R. F. (2005). Teoria psicanalítica das neuroses:
fundamentos e bases da doutrina psicanalítica. Atheneu.
Freud,
S. (2021). Observações psicanalíticas sobre um caso de paranoia
(dementia paranoides) descrito autobiograficamente [O caso Schreber].
L&PM Editores.
Freud,
S. (1998). Notas sobre um caso de neurose obsessiva (o homem dos ratos).
Imago.
Fromm,
E. (1983). Psicanálise da sociedade contemporânea.
Horney,
K., Gil, F., & Dinis, J. S. (1966). A personalidade neurótica do
nosso tempo.
Lipovetsky,
Gilles. A era do vazio, ensaios sobre o individualismo. São Paulo: Manole 2006.
197p.
Mullahy,
P. (1975). Édipo: mito e complexo: Uma crítica da teoria psicanalítica. Zahar.
Roudinesco,
E., & Plon, M. (1998). Dicion‡ rio de psican‡ lise. Zahar.
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