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Repressão: A Base Estrutural do Inconsciente
Repressão: A Base Estrutural do Inconsciente
A
repressão, também chamada de recalque, é um dos conceitos fundamentais na
teoria psicanalítica de Freud e ocupa um lugar central na compreensão do
funcionamento psíquico humano. Ela é definida como um mecanismo de defesa que
impede que determinados conteúdos mentais, vividos como perigosos, angustiantes
ou inaceitáveis, cheguem à consciência. Esses conteúdos podem ser pensamentos,
memórias, desejos ou impulsos que, se acessados conscientemente, poderiam
causar grande desconforto ou desestabilizar a identidade do indivíduo (Fenichel
& Gomes, 2005).
A
repressão não é apenas mais um entre os vários mecanismos de defesa descritos
por Freud; ela é o mecanismo primário, a partir do qual os demais derivam. Sua
função é proteger o ego contra conflitos insuportáveis, preservando a
estabilidade psíquica e o equilíbrio emocional do sujeito. Além disso, a
repressão é a base sobre a qual o inconsciente se estrutura, sendo responsável
pela formação de um reservatório de conteúdos psíquicos que permanecem fora do
alcance da consciência, mas que, paradoxalmente, continuam a influenciar
pensamentos, sentimentos e comportamentos (Roudinesco & Plon,1998).
O
processo de repressão ocorre em duas etapas principais:
- Repressão
primária: É o
momento inicial em que um conteúdo psíquico é afastado da consciência e
mantido no inconsciente. Esse conteúdo, geralmente relacionado a desejos
ou impulsos instintivos, é percebido como ameaçador para o ego ou
incompatível com as normas morais e sociais internalizadas pelo sujeito.
- Repressão
secundária:
Refere-se aos esforços contínuos do ego para manter os conteúdos
reprimidos fora da consciência. Isso pode envolver uma série de mecanismos
defensivos complementares, como a negação, a projeção ou a sublimação, que
ajudam a desviar a energia psíquica associada ao conteúdo reprimido para
formas mais aceitáveis de expressão (Mullahy, 1975).
Embora
o objetivo da repressão seja proteger o indivíduo do sofrimento, ela não
elimina o conteúdo reprimido. Em vez disso, esse conteúdo permanece ativo no
inconsciente, buscando expressão de maneira indireta, como em sonhos, lapsos de
linguagem (os famosos "atos falhos") e sintomas neurotizantes, como
fobias ou obsessões.
Freud
argumentou que a repressão é o alicerce do inconsciente. O inconsciente, em sua
essência, é formado por conteúdos que foram reprimidos e, portanto, não estão
disponíveis à consciência. Esse "arquivamento" inconsciente, porém,
não é estático. Os conteúdos reprimidos continuam a exercer uma influência
dinâmica, interferindo na vida consciente do sujeito de maneiras muitas vezes
misteriosas e difíceis de compreender (Mullahy, 1975).
A
formação do inconsciente por meio da repressão também está intimamente ligada à
maneira como o sujeito se constitui enquanto ser humano. Ao longo do
desenvolvimento infantil, desejos instintivos e pulsões que entram em conflito
com a realidade externa e as normas sociais são frequentemente reprimidos. É
nesse processo de repressão que a psique começa a se estruturar, com a formação
de diferentes sistemas, como o id, o ego e o superego, e a internalização de
valores e limites (Fenichel & Gomes, 2005).
Desde
a infância, a repressão desempenha um papel crucial no desenvolvimento
psíquico. Freud identificou períodos críticos, como o complexo de Édipo, em que
desejos intensos e conflitantes (como o desejo de exclusividade afetiva em
relação aos pais) são reprimidos para que o indivíduo possa se adaptar às
exigências da vida social e cultural (Mullahy, 1975).
No
entanto, essa repressão inicial pode deixar marcas profundas na psique, que se
manifestam ao longo da vida adulta de maneiras variadas. Por exemplo, traumas
vivenciados na infância podem ser reprimidos, mas seus efeitos podem emergir em
forma de ansiedades, bloqueios emocionais ou dificuldades de relacionamento.
Além
disso, a repressão também está presente em fenômenos do cotidiano, como o
esquecimento de eventos ou informações que causam desconforto emocional. Esse
esquecimento não é meramente um lapso de memória, mas uma defesa ativa do
inconsciente para evitar que certos conteúdos venham à tona.
Apesar
de permanecerem fora do alcance direto da consciência, os conteúdos reprimidos
frequentemente encontram formas indiretas de expressão. Essas manifestações
incluem:
- Sonhos: Freud descreveu os sonhos como a
"via régia" para o inconsciente. Neles, os conteúdos reprimidos
emergem de maneira simbólica, permitindo que desejos e conflitos sejam
expressos sem enfrentar a censura consciente.
- Lapsos
de linguagem:
Também conhecidos como "atos falhos", esses lapsos ocorrem
quando um conteúdo reprimido "escapa" na forma de um erro de
fala ou esquecimento.
- Sintomas
neuróticos: A
repressão pode ser a origem de sintomas físicos ou psicológicos que não
têm uma causa aparente. Esses sintomas são expressões indiretas de
conflitos reprimidos (Mullahy, 1975).
Freud
também explorou o impacto da repressão no nível cultural. Ele argumentou que a
civilização, ao impor normas e regras para a convivência social, exige que os
indivíduos reprimam grande parte de seus impulsos e desejos instintivos. Essa
repressão coletiva é essencial para o funcionamento da sociedade, mas pode
gerar tensões internas que se manifestam em fenômenos como a criação artística,
as revoluções culturais ou mesmo os conflitos sociais (Roudinesco &
Plon,1998).
No
processo psicanalítico, a repressão ocupa um lugar central, uma vez que o
trabalho terapêutico busca trazer à consciência os conteúdos reprimidos,
permitindo que o sujeito os elabore e os integre em sua vida psíquica. Isso não
significa reviver traumas ou confrontar o sofrimento de maneira abrupta, mas
sim criar um espaço seguro em que o sujeito possa gradualmente explorar os
aspectos mais profundos de sua psique.
O
terapeuta atua como um facilitador nesse processo, ajudando o indivíduo a
reconhecer os sinais de repressão e a lidar com os conteúdos reprimidos de
maneira construtiva. Esse trabalho pode levar a uma maior compreensão de si
mesmo, a uma redução dos sintomas neuróticos e a uma sensação de maior
liberdade emocional.
A
repressão, enquanto mecanismo de defesa, é uma força essencial na estruturação
do psiquismo humano. Ela representa, ao mesmo tempo, a engenhosidade e a
complexidade da mente em sua busca por equilíbrio e proteção contra os
sofrimentos da vida. No entanto, a repressão também nos lembra que aquilo que
relegamos ao inconsciente não desaparece, mas continua a influenciar nossas
escolhas, comportamentos e emoções.
Compreender
a repressão é, portanto, compreender uma das bases fundamentais da experiência
humana. É reconhecer que a psique é um campo dinâmico, onde o passado e o
presente se encontram, e onde os desafios da consciência e do inconsciente se
entrelaçam em uma dança incessante de conflito, defesa e descoberta.
Referências
Fenichel, O., & Gomes, R. F.
(2005). Teoria
psicanalítica das neuroses: fundamentos e bases da doutrina psicanalítica. Atheneu.
Freud,
S. (2021). Observações psicanalíticas sobre um caso de paranoia
(dementia paranoides) descrito autobiograficamente [O caso Schreber].
L&PM Editores.
Freud,
S. (1998). Notas sobre um caso de neurose obsessiva (o homem dos ratos).
Imago.
Fromm,
E. (1983). Psicanálise da sociedade contemporânea.
Horney,
K., Gil, F., & Dinis, J. S. (1966). A personalidade neurótica do
nosso tempo.
Lipovetsky,
Gilles. A era do vazio, ensaios sobre o individualismo. São Paulo: Manole 2006.
197p.
Mullahy, P. (1975). Édipo: mito e complexo: Uma crítica da
teoria psicanalítica. Zahar.
Roudinesco, E., & Plon, M.
(1998). Dicion‡
rio de psican‡ lise.
Zahar.
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