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O Inconsciente em Cena: Relações Professor-Aluno sob a Ótica das Posições Kleinianas"

  O Inconsciente em Cena: Relações Professor-Aluno sob a Ótica das Posições Kleinianas" O ambiente escolar contemporâneo tem se transformado em um campo complexo de interações emocionais intensas, tensões silenciosas e manifestações de comportamentos que escapam às compreensões tradicionais da disciplina e da pedagogia. Professores, diariamente, se deparam com o desafio de ensinar conteúdos curriculares em meio a um mal-estar que ultrapassa as barreiras do pedagógico, alcançando as esferas emocionais e relacionais. A sala de aula, longe de ser apenas um espaço de transmissão de conhecimento, revela-se cada vez mais como um espaço de conflito psíquico e de revelação de aspectos inconscientes tanto dos alunos quanto dos educadores. Diante dessa realidade, é necessário recorrer a olhares mais profundos e complexos para compreendermos o que está em jogo. A psicanálise, especialmente a contribuição de Melanie Klein, oferece ferramentas potentes para pensar os impasses das relaçõe...

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Repressão: A Base Estrutural do Inconsciente




 Repressão: A Base Estrutural do Inconsciente

A repressão, também chamada de recalque, é um dos conceitos fundamentais na teoria psicanalítica de Freud e ocupa um lugar central na compreensão do funcionamento psíquico humano. Ela é definida como um mecanismo de defesa que impede que determinados conteúdos mentais, vividos como perigosos, angustiantes ou inaceitáveis, cheguem à consciência. Esses conteúdos podem ser pensamentos, memórias, desejos ou impulsos que, se acessados conscientemente, poderiam causar grande desconforto ou desestabilizar a identidade do indivíduo (Fenichel & Gomes, 2005). 

A repressão não é apenas mais um entre os vários mecanismos de defesa descritos por Freud; ela é o mecanismo primário, a partir do qual os demais derivam. Sua função é proteger o ego contra conflitos insuportáveis, preservando a estabilidade psíquica e o equilíbrio emocional do sujeito. Além disso, a repressão é a base sobre a qual o inconsciente se estrutura, sendo responsável pela formação de um reservatório de conteúdos psíquicos que permanecem fora do alcance da consciência, mas que, paradoxalmente, continuam a influenciar pensamentos, sentimentos e comportamentos (Roudinesco & Plon,1998). 

O processo de repressão ocorre em duas etapas principais:

  1. Repressão primária: É o momento inicial em que um conteúdo psíquico é afastado da consciência e mantido no inconsciente. Esse conteúdo, geralmente relacionado a desejos ou impulsos instintivos, é percebido como ameaçador para o ego ou incompatível com as normas morais e sociais internalizadas pelo sujeito.
  2. Repressão secundária: Refere-se aos esforços contínuos do ego para manter os conteúdos reprimidos fora da consciência. Isso pode envolver uma série de mecanismos defensivos complementares, como a negação, a projeção ou a sublimação, que ajudam a desviar a energia psíquica associada ao conteúdo reprimido para formas mais aceitáveis de expressão (Mullahy, 1975).

Embora o objetivo da repressão seja proteger o indivíduo do sofrimento, ela não elimina o conteúdo reprimido. Em vez disso, esse conteúdo permanece ativo no inconsciente, buscando expressão de maneira indireta, como em sonhos, lapsos de linguagem (os famosos "atos falhos") e sintomas neurotizantes, como fobias ou obsessões.

Freud argumentou que a repressão é o alicerce do inconsciente. O inconsciente, em sua essência, é formado por conteúdos que foram reprimidos e, portanto, não estão disponíveis à consciência. Esse "arquivamento" inconsciente, porém, não é estático. Os conteúdos reprimidos continuam a exercer uma influência dinâmica, interferindo na vida consciente do sujeito de maneiras muitas vezes misteriosas e difíceis de compreender (Mullahy, 1975).

A formação do inconsciente por meio da repressão também está intimamente ligada à maneira como o sujeito se constitui enquanto ser humano. Ao longo do desenvolvimento infantil, desejos instintivos e pulsões que entram em conflito com a realidade externa e as normas sociais são frequentemente reprimidos. É nesse processo de repressão que a psique começa a se estruturar, com a formação de diferentes sistemas, como o id, o ego e o superego, e a internalização de valores e limites (Fenichel & Gomes, 2005). 

Desde a infância, a repressão desempenha um papel crucial no desenvolvimento psíquico. Freud identificou períodos críticos, como o complexo de Édipo, em que desejos intensos e conflitantes (como o desejo de exclusividade afetiva em relação aos pais) são reprimidos para que o indivíduo possa se adaptar às exigências da vida social e cultural (Mullahy, 1975).

No entanto, essa repressão inicial pode deixar marcas profundas na psique, que se manifestam ao longo da vida adulta de maneiras variadas. Por exemplo, traumas vivenciados na infância podem ser reprimidos, mas seus efeitos podem emergir em forma de ansiedades, bloqueios emocionais ou dificuldades de relacionamento.

Além disso, a repressão também está presente em fenômenos do cotidiano, como o esquecimento de eventos ou informações que causam desconforto emocional. Esse esquecimento não é meramente um lapso de memória, mas uma defesa ativa do inconsciente para evitar que certos conteúdos venham à tona.

Apesar de permanecerem fora do alcance direto da consciência, os conteúdos reprimidos frequentemente encontram formas indiretas de expressão. Essas manifestações incluem:

  • Sonhos: Freud descreveu os sonhos como a "via régia" para o inconsciente. Neles, os conteúdos reprimidos emergem de maneira simbólica, permitindo que desejos e conflitos sejam expressos sem enfrentar a censura consciente.
  • Lapsos de linguagem: Também conhecidos como "atos falhos", esses lapsos ocorrem quando um conteúdo reprimido "escapa" na forma de um erro de fala ou esquecimento.
  • Sintomas neuróticos: A repressão pode ser a origem de sintomas físicos ou psicológicos que não têm uma causa aparente. Esses sintomas são expressões indiretas de conflitos reprimidos (Mullahy, 1975).

Freud também explorou o impacto da repressão no nível cultural. Ele argumentou que a civilização, ao impor normas e regras para a convivência social, exige que os indivíduos reprimam grande parte de seus impulsos e desejos instintivos. Essa repressão coletiva é essencial para o funcionamento da sociedade, mas pode gerar tensões internas que se manifestam em fenômenos como a criação artística, as revoluções culturais ou mesmo os conflitos sociais (Roudinesco & Plon,1998).

No processo psicanalítico, a repressão ocupa um lugar central, uma vez que o trabalho terapêutico busca trazer à consciência os conteúdos reprimidos, permitindo que o sujeito os elabore e os integre em sua vida psíquica. Isso não significa reviver traumas ou confrontar o sofrimento de maneira abrupta, mas sim criar um espaço seguro em que o sujeito possa gradualmente explorar os aspectos mais profundos de sua psique.

O terapeuta atua como um facilitador nesse processo, ajudando o indivíduo a reconhecer os sinais de repressão e a lidar com os conteúdos reprimidos de maneira construtiva. Esse trabalho pode levar a uma maior compreensão de si mesmo, a uma redução dos sintomas neuróticos e a uma sensação de maior liberdade emocional.

A repressão, enquanto mecanismo de defesa, é uma força essencial na estruturação do psiquismo humano. Ela representa, ao mesmo tempo, a engenhosidade e a complexidade da mente em sua busca por equilíbrio e proteção contra os sofrimentos da vida. No entanto, a repressão também nos lembra que aquilo que relegamos ao inconsciente não desaparece, mas continua a influenciar nossas escolhas, comportamentos e emoções.

Compreender a repressão é, portanto, compreender uma das bases fundamentais da experiência humana. É reconhecer que a psique é um campo dinâmico, onde o passado e o presente se encontram, e onde os desafios da consciência e do inconsciente se entrelaçam em uma dança incessante de conflito, defesa e descoberta.

Referências

Fenichel, O., & Gomes, R. F. (2005). Teoria psicanalítica das neuroses: fundamentos e bases da doutrina psicanalítica. Atheneu.

Freud, S. (2021). Observações psicanalíticas sobre um caso de paranoia (dementia paranoides) descrito autobiograficamente [O caso Schreber]. L&PM Editores.

Freud, S. (1998). Notas sobre um caso de neurose obsessiva (o homem dos ratos). Imago.

Fromm, E. (1983). Psicanálise da sociedade contemporânea.

Horney, K., Gil, F., & Dinis, J. S. (1966). A personalidade neurótica do nosso tempo.

Lipovetsky, Gilles. A era do vazio, ensaios sobre o individualismo. São Paulo: Manole 2006. 197p.

Mullahy, P. (1975). Édipo: mito e complexo: Uma crítica da teoria psicanalítica. Zahar.

Roudinesco, E., & Plon, M. (1998). Dicion‡ rio de psican‡ lise. Zahar.

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