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Incorporação no Cotidiano: A Dualidade de um Mecanismo de Defesa
Incorporação no Cotidiano: A Dualidade de um Mecanismo de Defesa
No
dia a dia, é comum vermos pessoas adotando comportamentos, ideias e até mesmo
estilos de vida de outras, seja de forma consciente ou inconsciente. Essa
dinâmica, que pode parecer natural, quando analisada pela psicanálise,
revela-se como um complexo mecanismo de defesa conhecido como incorporação.
Introduzido por Freud em 1915, o termo descreve um processo psicológico em que
o sujeito, de maneira fantasiosa, faz com que um objeto externo
"penetre" no seu corpo. Mais do que uma simples assimilação, a incorporação
envolve o desejo de destruir o objeto ou absorver suas qualidades, como uma
tentativa de reforçar ou transformar a identidade do indivíduo (Roudinesco &
Plon,1998).
Esse
mecanismo é distinto da introjeção, que ocorre em um nível mais simbólico e
abstrato. A incorporação, por sua vez, está profundamente ligada à fantasia de
incorporação física, ao desejo de controlar aquilo que é admirado, temido ou
desejado. Embora carregue uma função protetora, pode ser tanto uma fonte de
enriquecimento pessoal quanto um desencadeador de conflitos internos e externos
(Roudinesco & Plon,1998).
A
incorporação pode ser observada em diversos aspectos do cotidiano, muitas vezes
de maneira sutil. Seja no âmbito profissional, pessoal ou social, as dinâmicas
de admiração, inveja e aprendizado estão repletas de manifestações desse mecanismo.
A
incorporação pode ser um recurso de desenvolvimento e amadurecimento quando o
sujeito busca assimilar características que admira no outro. Imagine uma pessoa
que, ao observar um colega de trabalho ou mentor, adota comportamentos como a
serenidade em situações de estresse, a clareza na comunicação ou uma ética
profissional exemplar. Ao incorporar essas qualidades, o indivíduo não apenas
melhora sua performance, mas também molda sua identidade de maneira mais segura
e equilibrada.
Outro
exemplo é na criação de vínculos afetivos saudáveis. Em relações próximas, como
entre pais e filhos ou amigos íntimos, o processo de incorporação de
características positivas pode fortalecer laços e promover trocas
enriquecedoras. Uma criança, ao incorporar valores éticos e morais dos pais,
aprende a lidar com o mundo de maneira construtiva, incorporando aspectos que
ampliam suas possibilidades de interação social.
Por
outro lado, a incorporação pode se tornar um processo destrutivo, especialmente
quando está enraizada em sentimentos como inveja, insegurança ou medo. Imagine
alguém que, ao observar o sucesso de outra pessoa, sinta a necessidade de
"possuir" as qualidades ou conquistas do outro. Nesse caso, o desejo
de incorporar essas características pode se transformar em uma tentativa de
desqualificar ou minimizar o objeto de desejo, criando conflitos nas relações
interpessoais.
Essa
dinâmica também é evidente em situações de competição desleal ou sabotagem,
onde o sujeito, incapaz de lidar com suas inseguranças, busca destruir aquilo
que admira no outro. Em vez de promover o crescimento, a incorporação, nesses
casos, torna-se um mecanismo de autossabotagem, prejudicando tanto o sujeito
quanto aqueles ao seu redor.
Um
aspecto central da incorporação é o desejo de controle. Ao
"incorporar" o objeto externo, o sujeito acredita que pode
assimilá-lo e, ao mesmo tempo, anulá-lo como uma ameaça. Esse movimento
paradoxal de aproximação e eliminação reflete a complexidade do mecanismo.
Assim, a incorporação, além de ser um recurso de proteção, expõe fragilidades
emocionais e a dificuldade de lidar com aquilo que é percebido como diferente
ou fora de controle.
Por
exemplo, em um ambiente de trabalho competitivo, um funcionário pode admirar as
habilidades de outro, mas, ao mesmo tempo, sentir-se ameaçado por elas. A
tentativa de incorporar essas habilidades pode ser acompanhada de críticas ou
sabotagens que visam minimizar a influência do outro.
Diante
dessas dinâmicas, torna-se essencial refletir sobre como absorvemos aspectos de
outras pessoas ou situações. Estamos buscando aprendizado e crescimento, ou
estamos agindo a partir de medos, inseguranças e ressentimentos?
Reconhecer
a presença da incorporação em nossas interações diárias nos ajuda a usá-la de
forma construtiva. Quando conscientes desse mecanismo, podemos transformar a
admiração em inspiração, a competição em cooperação e a insegurança em autoconfiança.
Como
todo mecanismo de defesa, a incorporação tem seu papel na proteção do eu.
Entretanto, para que seja um recurso saudável, é necessário compreendê-la,
integrá-la e equilibrá-la com o desenvolvimento de uma identidade autônoma.
Dessa forma, o sujeito pode assimilar as qualidades externas de maneira
construtiva, sem a necessidade de destruir ou se perder na influência do outro.
A
incorporação, quando manejada com consciência, é um poderoso instrumento de
evolução pessoal. Ela nos ensina que, ao invés de controlar ou destruir o
outro, podemos aprender a coexistir, crescer e, ao mesmo tempo, preservar a
nossa singularidade.
Referências
Fromm,
E. (1983). Psicanálise da sociedade contemporânea.
Horney, K., Gil,
F., & Dinis, J. S. (1966). A
personalidade neurótica do nosso tempo.
Lipovetsky,
Gilles. A era do vazio, ensaios sobre o individualismo. São Paulo: Manole 2006.
197p.
Mullahy,
P. (1975). Édipo: mito e complexo: Uma crítica da teoria psicanalítica. Zahar.
Roudinesco, E., & Plon, M. (1998). Dicion‡ rio
de psican‡ lise. Zahar.
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