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Do Passado ao Presente: A Evolução das Psicopatologias na Vida Cotidiana
Do Passado ao Presente:
A
Evolução das Psicopatologias na Vida Cotidiana
Ao
abordarmos as antigas e as novas psicopatologias, buscamos traçar uma distinção
entre esses dois grupos, que refletem transformações significativas no contexto
histórico, cultural e social. As chamadas “neuroses clássicas” do século
XIX, como histeria, fobias e obsessões, constituem o primeiro grupo. Esses
quadros foram fundamentais para a construção do arcabouço teórico da
psicanálise freudiana, marcando um período em que os sintomas apresentavam
manifestações claras e identificáveis. Freud dedicou-se a desvendar os
significados ocultos por trás desses sintomas, interpretando-os como expressões
simbólicas de conflitos psíquicos inconscientes, relacionados às pressões
sociais, culturais e familiares da época (Freud, 2016).
No
entanto, ao avançarmos para a contemporaneidade, identificamos um segundo grupo
de psicopatologias que expressam os desafios específicos de nossa era. Estas
incluem quadros como síndrome do pânico, anorexia, bulimia e diversos
transtornos depressivos. Ainda mais marcantes são os distúrbios narcisísticos,
que emergem como protagonistas das psicopatologias modernas. Esses transtornos
estão frequentemente associados a uma sensação de vazio existencial,
caracterizada por um mal-estar difuso e invasivo, diferente das neuroses
estruturadas do passado.
Uma
das características centrais das novas psicopatologias é a ausência de uma
sintomatologia clara e bem delimitada. Enquanto as neuroses clássicas
apresentavam quadros definidos, as perturbações contemporâneas assumem formas
menos específicas, frequentemente manifestando-se como desordens de caráter.
Estas desordens geram uma sensação de desconexão, refletida no sentimento de
vazio interior, na incapacidade de estabelecer vínculos significativos e na
percepção de absurdidade da vida.
Esse
panorama foi descrito pelo filósofo Gilles Lipovetsky, que argumenta que os
sintomas neuróticos característicos do capitalismo autoritário e puritano foram
substituídos, na sociedade permissiva e consumista, por desordens
narcisísticas, sem forma e intermitentes. Para Lipovetsky, a rigidez das
neuroses deu lugar à fluidez dos distúrbios contemporâneos, em que a “crispação
neurótica” cedeu espaço à “flutuação narcisística”. Essa transição reflete a
mudança dos valores e das pressões sociais: se antes predominavam as imposições
repressoras e moralizantes, hoje lidamos com as exigências de desempenho,
individualidade e sucesso pessoal, que frequentemente resultam em uma
fragilidade emocional e em um vazio psíquico (da Cruz, 2013).
As
mudanças nas formas de interação social, típicas das sociedades modernas, são
marcadas pelo predomínio do narcisismo e do hedonismo. Vivemos em um mundo onde
as relações são frequentemente superficiais, as conexões humanas, efêmeras, e
os ideais de felicidade e realização estão atrelados ao consumo e à aparência.
Essa lógica exacerba o sofrimento humano, criando indivíduos desconectados de
si mesmos e dos outros, aprisionados em um ciclo de busca incessante por
validação externa.
Esse
contexto social contribui para a emergência de perturbações emocionais
relacionadas a uma insatisfação crônica e a uma incapacidade de encontrar
sentido na vida. A busca pelo prazer imediato e pela valorização pessoal se
torna central, mas também traz consigo um vazio que não pode ser preenchido por
realizações externas. O sofrimento, nesse cenário, não se apresenta mais como
uma crise isolada ou uma questão a ser resolvida, mas como um estado contínuo
de mal-estar existencial.
Lipovetsky
também destaca como o “esvaziamento” das referências estáveis na sociedade
contemporânea contribui para o aumento dessas novas psicopatologias. Vivemos em
tempos de mudanças constantes, em que os valores, as tradições e os pontos de
apoio psicológico são constantemente dissolvidos. Essa instabilidade cria um
cenário no qual o indivíduo se sente desorientado, incapaz de encontrar
segurança em qualquer esfera da vida. A rigidez das neuroses clássicas, por
mais desafiadora que fosse, oferecia um tipo de estrutura que, em certo
sentido, sustentava a identidade do sujeito. Já a fluidez das novas
psicopatologias desorganiza a psique, promovendo um estado de vulnerabilidade
crônica (Lipovetsky, 1989).
Nesse
cenário, o papel da psicanálise e de outras abordagens terapêuticas ganha uma
nova dimensão. É necessário compreender não apenas os sintomas visíveis, mas
também os contextos sociais, culturais e emocionais que moldam essas novas
formas de sofrimento. O trabalho terapêutico precisa oferecer ferramentas que
ajudem o indivíduo a reconstruir uma relação autêntica consigo mesmo e com o
mundo, enfrentando o vazio e a alienação que caracterizam a contemporaneidade.
As
antigas e novas psicopatologias da vida cotidiana revelam, em última análise, o
impacto profundo das transformações sociais sobre a mente humana. Elas nos
convidam a refletir sobre como os desafios do passado e do presente moldam
nossa maneira de ser, sentir e existir no mundo.
Referências
da
Cruz, D. N. (2013). Algumas caracterísitcas da pós-modernidade na concepção de
Gilles Lipovetsky. Intuitio, 6(1), 79-95.
Freud,
S. (2016). Neurose, psicose, perversão. Autêntica.
Lipovetsky,
Gilles. A era do vazio [em linha]. 1989.
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