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O Inconsciente em Cena: Relações Professor-Aluno sob a Ótica das Posições Kleinianas"

  O Inconsciente em Cena: Relações Professor-Aluno sob a Ótica das Posições Kleinianas" O ambiente escolar contemporâneo tem se transformado em um campo complexo de interações emocionais intensas, tensões silenciosas e manifestações de comportamentos que escapam às compreensões tradicionais da disciplina e da pedagogia. Professores, diariamente, se deparam com o desafio de ensinar conteúdos curriculares em meio a um mal-estar que ultrapassa as barreiras do pedagógico, alcançando as esferas emocionais e relacionais. A sala de aula, longe de ser apenas um espaço de transmissão de conhecimento, revela-se cada vez mais como um espaço de conflito psíquico e de revelação de aspectos inconscientes tanto dos alunos quanto dos educadores. Diante dessa realidade, é necessário recorrer a olhares mais profundos e complexos para compreendermos o que está em jogo. A psicanálise, especialmente a contribuição de Melanie Klein, oferece ferramentas potentes para pensar os impasses das relaçõe...

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Do Passado ao Presente: A Evolução das Psicopatologias na Vida Cotidiana


 



Do Passado ao Presente:

A Evolução das Psicopatologias na Vida Cotidiana

Ao abordarmos as antigas e as novas psicopatologias, buscamos traçar uma distinção entre esses dois grupos, que refletem transformações significativas no contexto histórico, cultural e social. As chamadas “neuroses clássicas do século XIX, como histeria, fobias e obsessões, constituem o primeiro grupo. Esses quadros foram fundamentais para a construção do arcabouço teórico da psicanálise freudiana, marcando um período em que os sintomas apresentavam manifestações claras e identificáveis. Freud dedicou-se a desvendar os significados ocultos por trás desses sintomas, interpretando-os como expressões simbólicas de conflitos psíquicos inconscientes, relacionados às pressões sociais, culturais e familiares da época (Freud, 2016). 

No entanto, ao avançarmos para a contemporaneidade, identificamos um segundo grupo de psicopatologias que expressam os desafios específicos de nossa era. Estas incluem quadros como síndrome do pânico, anorexia, bulimia e diversos transtornos depressivos. Ainda mais marcantes são os distúrbios narcisísticos, que emergem como protagonistas das psicopatologias modernas. Esses transtornos estão frequentemente associados a uma sensação de vazio existencial, caracterizada por um mal-estar difuso e invasivo, diferente das neuroses estruturadas do passado.

Uma das características centrais das novas psicopatologias é a ausência de uma sintomatologia clara e bem delimitada. Enquanto as neuroses clássicas apresentavam quadros definidos, as perturbações contemporâneas assumem formas menos específicas, frequentemente manifestando-se como desordens de caráter. Estas desordens geram uma sensação de desconexão, refletida no sentimento de vazio interior, na incapacidade de estabelecer vínculos significativos e na percepção de absurdidade da vida.

Esse panorama foi descrito pelo filósofo Gilles Lipovetsky, que argumenta que os sintomas neuróticos característicos do capitalismo autoritário e puritano foram substituídos, na sociedade permissiva e consumista, por desordens narcisísticas, sem forma e intermitentes. Para Lipovetsky, a rigidez das neuroses deu lugar à fluidez dos distúrbios contemporâneos, em que a “crispação neurótica” cedeu espaço à “flutuação narcisística”. Essa transição reflete a mudança dos valores e das pressões sociais: se antes predominavam as imposições repressoras e moralizantes, hoje lidamos com as exigências de desempenho, individualidade e sucesso pessoal, que frequentemente resultam em uma fragilidade emocional e em um vazio psíquico (da Cruz, 2013).

As mudanças nas formas de interação social, típicas das sociedades modernas, são marcadas pelo predomínio do narcisismo e do hedonismo. Vivemos em um mundo onde as relações são frequentemente superficiais, as conexões humanas, efêmeras, e os ideais de felicidade e realização estão atrelados ao consumo e à aparência. Essa lógica exacerba o sofrimento humano, criando indivíduos desconectados de si mesmos e dos outros, aprisionados em um ciclo de busca incessante por validação externa.

Esse contexto social contribui para a emergência de perturbações emocionais relacionadas a uma insatisfação crônica e a uma incapacidade de encontrar sentido na vida. A busca pelo prazer imediato e pela valorização pessoal se torna central, mas também traz consigo um vazio que não pode ser preenchido por realizações externas. O sofrimento, nesse cenário, não se apresenta mais como uma crise isolada ou uma questão a ser resolvida, mas como um estado contínuo de mal-estar existencial.

Lipovetsky também destaca como o “esvaziamento” das referências estáveis na sociedade contemporânea contribui para o aumento dessas novas psicopatologias. Vivemos em tempos de mudanças constantes, em que os valores, as tradições e os pontos de apoio psicológico são constantemente dissolvidos. Essa instabilidade cria um cenário no qual o indivíduo se sente desorientado, incapaz de encontrar segurança em qualquer esfera da vida. A rigidez das neuroses clássicas, por mais desafiadora que fosse, oferecia um tipo de estrutura que, em certo sentido, sustentava a identidade do sujeito. Já a fluidez das novas psicopatologias desorganiza a psique, promovendo um estado de vulnerabilidade crônica (Lipovetsky, 1989).

Nesse cenário, o papel da psicanálise e de outras abordagens terapêuticas ganha uma nova dimensão. É necessário compreender não apenas os sintomas visíveis, mas também os contextos sociais, culturais e emocionais que moldam essas novas formas de sofrimento. O trabalho terapêutico precisa oferecer ferramentas que ajudem o indivíduo a reconstruir uma relação autêntica consigo mesmo e com o mundo, enfrentando o vazio e a alienação que caracterizam a contemporaneidade.

As antigas e novas psicopatologias da vida cotidiana revelam, em última análise, o impacto profundo das transformações sociais sobre a mente humana. Elas nos convidam a refletir sobre como os desafios do passado e do presente moldam nossa maneira de ser, sentir e existir no mundo.

Referências

da Cruz, D. N. (2013). Algumas caracterísitcas da pós-modernidade na concepção de Gilles Lipovetsky. Intuitio6(1), 79-95.

Freud, S. (2016). Neurose, psicose, perversão. Autêntica.

Lipovetsky, Gilles. A era do vazio [em linha]. 1989.

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