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Por Que a Vida Moderna Nos Angustia e Como Lidar com Isso
Por Que a Vida Moderna Nos Angustia e Como Lidar com Isso
A angústia de viver é uma das maiores preocupações do ser humano. Desde
que percebemos que nossa vida tem um fim, começamos a carregar um peso emocional
difícil de ignorar. Desde o nascimento, o ser humano enfrenta desafios. A
sensação de segurança no útero dá lugar a um mundo cheio de incertezas, algo
que o psicanalista Otto Rank chamou de "Trauma de Nascimento".
Segundo ele, esse seria o primeiro trauma da vida, servindo como base para o
desenvolvimento da angústia ao longo da nossa existência (Rank, 2016). Na
psicanálise, desde Freud até os dias de hoje, muitas teorias tentam explicar a
origem dessa inquietação. Embora não seja possível explorar todas elas aqui, o
objetivo é fazer você refletir: por que cada vez mais pessoas nas sociedades
modernas se sentem angustiadas?
A angústia,
embora desconfortável, é uma parte intrínseca da experiência humana. Ela surge
como uma resposta natural às incertezas, desafios e limitações que enfrentamos
ao longo da vida. Até certo ponto, a angústia é considerada um sentimento
normal, funcionando como um alerta que nos motiva a buscar mudanças, soluções
ou novos caminhos. Em muitos casos, ela pode ser um motor de crescimento,
impulsionando-nos a refletir sobre nossa existência e a tomar decisões que enriqueçam
nossa vida (Werle, 2003).
Sigmund
Freud, o pai da psicanálise, dedicou parte de seus estudos à compreensão de
como lidamos com a angústia. Ele identificou três principais mecanismos que os
seres humanos desenvolvem para enfrentar esse sentimento:
Religião: a busca de
um significado maior na fé ou em crenças espirituais, que oferecem conforto
diante do desconhecido e uma sensação de segurança frente à imprevisibilidade
da vida.
Arte: um espaço
criativo onde podemos expressar nossas emoções, aliviar tensões internas e
explorar o nosso potencial de forma construtiva.
Uso de
substâncias: uma tentativa de aliviar temporariamente a angústia por meio de
entorpecentes, que proporcionam uma fuga momentânea da realidade, mas que
muitas vezes acabam trazendo mais problemas do que soluções.
Entre essas
alternativas, Freud considerava a arte como o caminho mais enriquecedor. Por
meio dela, temos a oportunidade de canalizar nossos sentimentos em algo
produtivo, transformando a angústia em criatividade. A arte, em suas inúmeras
formas – como pintura, música, escrita ou dança –, permite que o ser humano
acesse aspectos profundos de sua psique, dando significado às emoções que, de
outra forma, poderiam parecer opressivas ou sem
sentido (Freud, 1926).
No entanto,
um fenômeno intrigante observado nas sociedades modernas é a crescente sensação
de vazio, muitas vezes associada à falta de criatividade. A rotina mecanizada,
o excesso de estímulos externos e a busca constante por produtividade parecem
sufocar a capacidade de reflexão e espontaneidade das pessoas. Nesse contexto,
o ser humano pode se sentir desconectado de si mesmo, o que resulta em um
estado conhecido como "vazio existencial".
Esse vazio
não é apenas uma ausência de ocupação ou tédio, mas um estado psicológico mais
profundo, caracterizado pela sensação de que a vida perdeu o sentido. Isso pode
se manifestar de várias maneiras: dificuldades em tomar decisões, falta de
engajamento nas relações interpessoais, desmotivação para realizar atividades
cotidianas e até mesmo um sentimento generalizado de apatia.
Um exemplo
comum desse vazio pode ser observado no contexto familiar. Muitas pessoas
relatam dificuldades em criar os filhos em um mundo que parece estar em
constante transformação, sem diretrizes claras. As pressões sociais e as
mudanças nas dinâmicas familiares contribuem para um cenário de incerteza que
pode ser angustiante. Da mesma forma, relacionamentos interpessoais – sejam
eles amorosos, de amizade ou profissionais – também podem sofrer quando a
angústia não é compreendida ou enfrentada adequadamente.
Além disso, o
impacto da angústia no dia a dia vai além do nível individual. A sociedade
moderna, com seu ritmo acelerado e exigências cada vez maiores, tende a
valorizar a eficiência e o sucesso material, muitas vezes à custa do bem-estar
emocional. Essa mentalidade pode gerar um ciclo vicioso, onde as pessoas se
sentem pressionadas a "fazer mais", sem tempo para refletir sobre o
que realmente lhes traz satisfação ou propósito (Horney, et al., 1966).
O estilo de
vida moderno, frequentemente automático e sem espaço para introspecção, priva o
ser humano de momentos de conexão consigo mesmo e com os outros. Essa
desconexão resulta não apenas em decisões apressadas ou superficiais, mas
também em uma dificuldade crescente de lidar com situações comuns, como
resolver conflitos no trabalho, manter uma comunicação saudável nos
relacionamentos ou até mesmo desfrutar de pequenos prazeres da vida cotidiana.
A angústia,
embora seja um sentimento natural e, em certa medida, esperado ao longo da vida,
pode se transformar em um problema sério quando ultrapassa determinados
limites. O ritmo acelerado e as pressões constantes das relações sociais
modernas muitas vezes sobrecarregam a mente e o corpo, dificultando a adaptação
a um mundo em constante transformação. Esse desequilíbrio emocional, quando não
identificado e tratado, pode evoluir para condições mais graves que impactam
diretamente a qualidade de vida (Comte-Sponville, 1997).
O sofrimento
causado pela incapacidade de lidar com os desafios do dia a dia vai além da
sensação temporária de mal-estar ou desconforto. Ele pode se intensificar a
ponto de desencadear doenças mentais significativas, como:
1. Síndrome
do Pânico
A síndrome do
pânico é uma condição caracterizada por crises súbitas de ansiedade intensa,
acompanhadas de sintomas físicos como falta de ar, palpitações, suor excessivo,
tontura e uma sensação avassaladora de medo ou morte iminente. Essas crises
podem ocorrer sem um motivo aparente, tornando a experiência ainda mais
assustadora para quem sofre com o problema.
O impacto da
síndrome do pânico vai além dos episódios em si. Muitas pessoas passam a evitar
lugares ou situações onde acreditam que podem ter uma crise, o que pode levar a
um isolamento social progressivo. Com o tempo, essa restrição de atividades e
interações pode comprometer a capacidade de levar uma vida normal, gerando
ainda mais angústia e sensação de impotência (Pinheiro, 2004).
2. Depressão
A depressão,
muitas vezes relacionada a um estado prolongado de angústia, é uma das
condições mais comuns no mundo moderno. Trata-se de um transtorno psicológico
caracterizado por sentimentos persistentes de tristeza, desespero, perda de
interesse em atividades antes prazerosas e baixa autoestima.
Embora a
depressão possa ter várias causas – incluindo predisposição genética,
desequilíbrios químicos no cérebro e fatores ambientais – o estresse contínuo e
a dificuldade em lidar com a angústia desempenham um papel significativo. A
pressão para atender às expectativas sociais, a competitividade no trabalho, a
instabilidade financeira e os desafios nos relacionamentos pessoais podem
contribuir para o surgimento ou agravamento desse transtorno.
Os sintomas
de depressão vão além das emoções. Muitas vezes, a condição se manifesta
fisicamente, causando insônia, fadiga, alterações no apetite e dores
inexplicáveis. A depressão não tratada pode levar a consequências graves,
incluindo ideação suicida, reforçando a importância de procurar ajuda
profissional o quanto antes (Delouya, 2000).
3. Fobias
As fobias são
outro exemplo de como a angústia pode evoluir para condições debilitantes. Elas
se manifestam como medos irracionais e persistentes de objetos, situações ou
atividades específicas, como altura, espaços fechados, multidões ou mesmo
interações sociais.
Embora muitas
pessoas possam viver com certos medos sem que isso afete significativamente
suas vidas, em casos mais graves, as fobias podem limitar drasticamente a
capacidade de realização de atividades cotidianas. Por exemplo, alguém com
fobia social pode evitar interações em grupo, prejudicando suas relações
pessoais e profissionais (Freud, 2021).
Além das
condições mencionadas, a angústia mal gerida pode contribuir para o surgimento
de outros transtornos, como:
Ansiedade
generalizada: um estado contínuo de preocupação excessiva, mesmo diante de situações
sem risco real (Zuardi, 2017).
Transtorno obsessivo-compulsivo
(TOC): marcado por pensamentos intrusivos e comportamentos repetitivos que a
pessoa sente necessidade de realizar para aliviar a angústia (Gonzalez, 1999).
Burnout: resultado do
estresse crônico, especialmente relacionado ao trabalho, caracterizado por
exaustão emocional, despersonalização e sensação de baixa realização pessoal (Pêgo,
& Pêgo, 2016).
O estilo de
vida moderno muitas vezes exacerba a angústia. A hiperconectividade
proporcionada pela tecnologia, por exemplo, pode aumentar a pressão social e
profissional. Somos bombardeados por informações, expectativas e comparações,
muitas vezes levando à sensação de que nunca somos "suficientes".
Esse cenário contribui para o desenvolvimento de transtornos psicológicos, pois
reduz o tempo e a energia disponíveis para cuidar do bem-estar emocional (Bohrer,
2010).
Quando a
angústia se torna doença, ela não afeta apenas o indivíduo, mas também suas
relações, desempenho no trabalho e qualidade de vida como um todo. É crucial
reconhecer os sinais de que a angústia deixou de ser uma reação normal aos
desafios da vida e se transformou em um problema de saúde mental.
A angústia, embora dolorosa, não precisa definir o curso da sua vida.
Ela pode ser um convite silencioso à transformação, uma oportunidade de
refletir sobre o que realmente importa e de redescobrir novos caminhos que
levem ao crescimento e à realização. A boa notícia é que, por mais desafiadora
que pareça, a mudança é possível – e ela começa com a decisão de olhar para
dentro.
Não há uma fórmula única para superar a angústia, pois cada jornada é
única. O que funciona para uma pessoa pode não funcionar para outra, e está
tudo bem. O importante é estar disposto a explorar, experimentar e, acima de
tudo, acreditar na sua capacidade de mudança
Referências
Bohrer, L. C. T. (2010). O Problema da angústia. Revista Psicologia e
Saúde.
Comte-Sponville, A. (1997). Bom dia, angústia. São Paulo: Companhia das
Letras.
Delouya, D. (2000). Depressão (Vol. 5). Casa do Psicólogo.
Freud, S. (1926). Inibição, Sintoma e Angústia. Edição Standard
Brasileira das Obras Psicológicas Completas de Sigmund Freud v. XX (1976).
Freud, S. (2021). Edição standard brasileira das obras psicológicas
completas de Sigmund Freud. Imago editora.
Gonzalez, C. H. (1999). Transtorno obsessivo-compulsivo. Brazilian
Journal of Psychiatry, 21, 31-34.
Horney, K., Gil, F.,
& Dinis, J. S. (1966). A personalidade neurótica
do nosso tempo.
Pêgo, F. P. L., & Pêgo, D. R. (2016). Síndrome de burnout. Rev.
bras. med. trab, 171-176.
Pinheiro, M. (2004). A clínica da síndrome do pânico. IGT na Rede ISSN
1807-2526, 1(1).
Rank, O. (2016). O trauma do nascimento: e seu significado para a
psicanálise. São Paulo: Cienbook, 1.
Werle, M. A. (2003). A angústia, o nada e a morte em Heidegger. Trans/Form/Ação, 26,
97-113.
Zuardi, A. W. (2017). Características básicas do transtorno de
ansiedade generalizada. Medicina (Ribeirao Preto. Online), 50, 51-55.
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